Você Tomaria “A Substância”?

“A Substância”, o filme de terror psicológico dirigido por Coralie Fargeat é, na verdade, uma crítica sobre o etarismo.
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O longa cinco vezes premiado no Globo de Ouro e uma das grandes apostas para o Oscar, conta a história de Elisabeth Sparkle (interpretada pela brilhante Demi Moore), uma atriz de Hollywood demitida de seu emprego após completar 50 anos. Percebendo que seus dias de estrelato ficaram para trás e drasticamente insatisfeita com a sua aparência, ela opta por injetar a misteriosa “substância” que promete transformá-la na mais jovem, mais bonita e mais talentosa versão de si mesma.

A produção discute a “data de validade” que as mulheres possuem na sociedade, tanto na vida pessoal, quanto na carreira, que as faz sentir nojo de envelhecer. Já deixamos avisado de antemão que o longa metragem, disponível na plataforma Mubi, é para quem tem estômago forte com momentos gores que maximizam essa discussão ao extremo. Leia mais no blog!

No filme, acompanhamos Elisabeth que ao ser expulsa de seu trabalho como apresentadora de um programa de exercícios à la Jane Fonda, decide optar por um tratamento clandestino que promete a rejuvenescer. Após injetar o líquido ativador da “substância”, rompe-se de sua coluna vertebral uma réplica mais jovem sua. Para essa experiência funcionar, ela deve seguir uma regra à risca: cada versão deve existir durante sete dias, sempre intercalando.

Esse equilíbrio não foi respeitado. Quando ela vive como Elisabeth, seus defeitos são maximizados em tela, permanecendo em sofrimento e isolamento. Sue (a versão mais nova interpretada por Margaret Qualley), pelo contrário, irradia disposição, beleza e simpatia, aparecendo sem poros, flacidez ou linhas de expressão e rapidamente conquista o sucesso que tanto almejava. Por isso, ela decide passar muito mais tempo do que o permitido como Sue, o que resulta em consequências irreversíveis.

Absolutamente tudo no longa é simbólico – as cores, a fotografia e diversos elementos servem como metáforas para reforçar a narrativa. Como, por exemplo, a estrela de Elisabeth Sparkle na calçada da fama: se no início era reluzente e ponto de visitação para fãs, ao final, estava totalmente suja e desgastada. 

Não é por acaso também a escalação de Demi Moore como protagonista. Aos 61 anos, ela brilha intensamente no papel e contraria os críticos que diziam que o seu auge já havia passado com os hits de bilheteria dos anos 90, “Ghost” e “Striptease”. 

O filme expõe o etarismo de forma quase literal, retratando a obsessão da sociedade pela juventude. Até onde vai essa busca pela “melhor versão” de nós mesmos?

A resposta, para muitas mulheres, pode não ter limites. Vítimas de um mercado que lucra com suas inseguranças, submetem-se a procedimentos arriscados e cirurgias invasivas, colocando em risco a própria saúde em nome de um ideal de beleza inatingível. Padrão este que é ainda mais impulsionado pelas redes sociais, com constantes bombardeios de imagens de corpos esculturais, rostos sem imperfeições e vidas romantizadas. 

A crítica de “A Substância” é tão real que a personagem Sue, mesmo com menos tempo de tela, foi a favorita para fantasias de Halloween e edições aesthetics no TikTok, provando essa supervalorização da jovialidade.

Para nós, cabe uma reflexão: aceitaríamos a “substância”? Uma cura milagrosa para nossas inseguranças, para conquistar o “corpo perfeito”, receber a validação que tanto almejamos, mesmo que isso custasse nossa identidade?

Como Demi fala em uma entrevista para a WMag: “Todas nós já olhamos no espelho e pensamos em ‘consertar’ algo que não gostamos, só que ao invés de melhorar, acabamos piorando. Achamos novos defeitos”. Porque não é sobre a imagem, é sobre a busca por um ideal que nunca é suficiente, por um padrão que muda antes mesmo de chegarmos lá. No fim, será que nos tornamos a melhor versão de nós mesmas ou apenas uma sombra do que esperávamos ser?

Precisamos redefinir nossas idealizações com referências positivas da velhice, acompanhando perfis de mulheres que são sinônimos de beleza, estilo e sucesso, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, para entendermos que o “novo” não é necessariamente bom e o “velho” obsoleto. 

O desfile Verão 25 da marca italiana Sunnei, somente com modelos seniors, é um exemplo de como a indústria da moda pode contribuir para a desconstrução do etarismo. A grife criada em Milão, representa uma cidade onde um quarto dos habitantes possui mais de 65 anos. É preciso olhar com atenção para a estimativa de que 33% da população global terá mais de 50 anos em 2050 (Leia mais no blog sobre o poder dos Silver Spenders). 

“A Substância” questiona nossos próprios preconceitos sobre o envelhecimento e de onde eles vêm. A grande mídia, com sua influência nas passarelas, campanhas publicitárias e redes sociais, molda nossa percepção do que é belo, ignorando a diversidade de idades e corpos.

No Instagram, tenho milhares de seguidoras e alunas com mais de 40 anos, percebo o quanto a idade é limitante para a demonstração de seus trabalhos através de vídeos. É nítida a insegurança, a comparação constante e o medo do julgamento.

Somos todas vítimas de uma sociedade que, infelizmente, ainda não tolera a velhice. São poucas vozes falando por e para mulheres com 50, 60, 70 anos. Acho verdadeiramente que mulheres com mais de 50 anos devem sair do armário e mostrar com orgulho seus corpos e vulnerabilidades. Afinal, se tudo der muito certo será o futuro de todas nós, viver e envelhecer.

Texto produzido pela Equipe Joy House

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Neste texto usamos algumas palavras e termos em inglês. Que tal incluí-las no seu vocabulário, caso sejam novas para você?

Gores = Categorias de filmes nojentos, violentos.

Aesthetics = Estético, glamouruizado.

Seniors = População +60 anos.

Referências:

Imagens: Filme “A Substância” (2024)

Elle

Marcella Carrasco

Nanda Campos

Nozy.ca

Terra 

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